sábado, 14 de novembro de 2015

DEEPHAN: REFÚGIO E DESESPERO NA PERIFERIA DE PARIS

Demorei para escrever sobre DEEPHAN: O REFÚGIO, vencedor da Palma de Ouro deste ano, em Cannes. Saí do filme com a sensação de que temas demais estavam ali, expostos ao espectador. Foi difícil concluir: gostei do filme? Gostei muito? Mais ou menos ou mais pra menos que pra mais?
Gostei. Ponto.

Então cheguei em casa e fui pesquisar. Queria entender a história recente do Sri Lanka, já que é com uma cena devastadora que tem início o filme do diretor Jacques Audiard.

Demorei  para escrever e ontem, 13 de novembro, depois do ataque terrorista que matou mais de uma centena de pessoas em Paris, achei que estava na hora. O filme é ficção, mas quando a violência da ficção encontra a violência da realidade é hora de pensar ainda mais sobre a barbárie que se descortina todos os dias diante de nossos olhos, neste século 21. 

De 1983 a 2009 uma guerra civil matou mais de 150 mil pessoas no Sri Lanka ( 70 mil, segundo números oficiais), resultado de um conflito sangrento entre as etnias tâmil e cinigalesa. Já nos anos 80, o grupo extremista tâmil TLLE foi classificado como terrorista por vários países, Brasil inclusive. Na época, já era considerado um dos mais perigosos do mundo por conta dos métodos utlizados: homens-bomba, execuções com requintes de crueldade e outros detalhes conhecidos por quem vive e testemunha as atrocidades cometidas pela intolerância neste século 21.  

Bom, você não vai ver nada disso na saga do trio que finge ser uma família para fugir do Sri Lanka e conseguir refúgio político na França. Mas conhecer alguns detalhes sobre a vida do protagonista, Deephan, interpretado por Jesuthasan Antonythasan, pode deixar o filme mais saboroso e, por que não, mais interessante. 

Jesusthasan, o ator, foi um guerrilheiro tâmil na adolescência. Depois de romper com o grupo extremist esteve em alguns países até entrar na França com um passaporte falso, em 1993, e conseguir asilo político. Lá, começou a escrever no idioma tâmil  sobre suas experiências como guerrilheiro, sob o pseudônimo de Shoba. Hoje é um escritor relativamente conhecido. Seus livros já foram traduzidos para o inglês, ele ainda fala mal o francês e tem medo de retornar ao Sri Lanka em virtude dos ataques que ainda persistem contra a minoria tâmil. 

Foi então nessas circunstâncias que Jesusthasan, de 48 anos, 22 vivendo na França, recebeu o convite de Audiard, que já o conhecia, para viver o angustiado e inescrutável Deephan. 

Muito já foi escrito sobre o vencedor da palma de ouro. Mas deixo aqui a impressão que me acompanha até agora, quase duas semanas depois de ter assistido ao filme: além de ter que encarar uma viagem perigosa de barco com uma família falsa, a dificuldade de entender um novo idioma e as diferenças culturais que se manifestam no simples ato de comer com as mãos, a história dá um tapa na cara do espectador quando mostra que abandonar a cena de carnificina numa selva distante não significa encontrar uma vida mais pacífica nas habitações populares de um subúrbio de Paris. Longe disso.

Jacques Audiard garante que a violência e a tensão que dominam o condomínio onde Deephan se emprega como zelador não passa de ficção. OK. Mas alguma inspiração nas  revoltas da "banlieue" parisiense deve ter sido injetada nas veias do diretor. E quem mora no Rio de Janeiro já viu aquelas cenas em algum lugar.....não muito distante de onde vive.

O diretor vencedor diz que a essência de seu filme é sobre um homem que não sabe falar de amor. Sim, pode ser. Principalmente quando o roteiro dá uma guinada e temos a impressão de que Charles Bronson vai sair da tela atirando para todos os lados. Ou quando Deephan, bêbado, canta seu coração despedaçado. Não fosse a trilha sonora, sensacional, as cenas seriam dispensáveis para o bom andamento da trama.  

Preste atenção na atuação das duas atrizes que compõem a família "pra inglês ver": Kalieaswari Srinivasan e a menina Claudine Vinasithamby. Com interpretações minimalistas, elas ampliam a tensão e o espírito desolado de Deephan.

O final surpreende. Os personagens parecem sair do inferno para encontrar a felicidade logo ali, depois da fronteira. Será um abuso da ficção? Ou uma crítica contundente ao país de François Hollande e Marine Le Pen?    
Sei lá, mil coisas. 
     



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